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PARAHYBA    BRASIL    ABRIL   2024

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domingo, 21 de abril de 2024

TIRADENTES

  Enganado, manipulado e abandonado por oligarcas, ele foi enforcado e esquartejado por lutar pela liberdade e pela república.



Na imagem acima, a pintura  e  uma análise comentada dos detalhes da obra e sua simbologia. 

"Tiradentes esquartejado", pintura do paraibano Pedro Américo (1893, Museu Mariano Procópio).

O Tiradentes de Pedro Américo traduz a imagem idealizada do martírio, que se aproxima do martírio de Cristo, pois à época os prisioneiros tinham as cabeças e faces raspadas - para evitar piolhos. Além disso, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nunca usou barba, apenas bigode.


A CONJURAÇÃO MINEIRA


Rafael Falco: "Tiradentes ante o carrasco". 1951. Óleo/tela, 128x182 cm. Acervo Câmara dos Deputados.


"Embora a historiografia oficial considere a Conjuração uma luta pela liberdade no Brasil, para o historiador norte-americano Kenneth Maxwell, autor de "A devassa da devassa", o melhor livro sobre o tema, “a conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarcas, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa. (…) A "derrama" proporcionava aos magnatas locais um subterfúgio pré-fabricado para alcançarem seus objetivos egoístas sob o disfarce de um levante popular”. Mas o plano gorou: em fevereiro de 1789, Barbacena suspendeu a derrama. Os inconfidentes se desarticularam. Conforme Maxwell, só depois da suspensão da derrama foi que Joaquim Silvério dos Reis denunciou a trama – para obter o perdão de suas dívidas. Em maio, os acusados, um a um, começaram a ser presos e enviados para o Rio."


Na verdade, há muita romantização sobre os motivos, as pessoas (uma elite de oligarcas e intelectuais que não queria mais pagar os impostos para a Coroa) e o objetivo desse movimento mineiro, que na verdade foi um movimento separatista (o que queriam era transformar Minas Gerais em uma república utópica separada do resto do Brasil). Quando foram traídos por Joaquim Silvério dos Reis (pode-se dizer que foi a primeira delação premiada, pois teve seus crimes e suas dívidas perdoados) todos os inconfidentes se acovardaram durante o julgamento (verdadeiro teatro bem encenado) se delatando mutuamente, implorando perdão covardemente... Todos, exceto Tiradentes, que foi usado e manipulado por todos os outros. Tiradentes manteve a hombridade durante todo o julgamento, que durou de oito horas da manhã às duas horas da manhã seguinte; manteve a compostura e assumiu sozinho o que todos eram acusados. Do grupo, era o único que não tinha posses, que não tinha fama e que não tinha poder - uma ótima solução para os hipócritas que julgavam os inconfidentes. Enfim, exilaram os oligarcas e enforcaram e esquartejaram o coitado do Tiradentes.

Com a proclamação da República, "ressuscitou" e é o herói que hoje todos nós devemos aclamar.


Acima, Tiradentes em uniforme de alferes, pintura histórica de José Wasth Rodrigues. Nenhum retrato verdadeiro ou descrição física de Tiradentes é conhecida.

Saiba mais no livro "BRASIL-UMA HISTÓRIA", de Eduardo Bueno.
(Capítulo 12, Conjuração Mineira)

Ou leia abaixo a transcrição do capítulo citado...


"A CONJURAÇÃO MINEIRA


Encarcerado havia três anos, o prisioneiro caminhava com dificuldade e mal conseguia abrir os olhos. A alva (o tosco roupão vestido pelos

Condenados) roçava-lhe os tornozelos. O baraço (a grossa corda da forca) rodeava-lhe o pescoço e se estirava até as mãos do carrasco que o conduzia. Nas janelas, nas portas, nos beirais, pelas árvores, o povo acompanhava cada gesto do padecente. À frente ia a cavalaria, com suas fanfarras. Depois, o clero, os Franciscanos e a Irmandade da Misericórdia, rezando salmos. A seguir, acorrentado e monologando com o crucifixo que trazia à altura dos olhos, seguia o condenado. Às vezes a procissão parava. O escrivão, então, lia o mandado em voz alta: “Justiça que a rainha manda fazer a este infame, réu Joaquim José da Silva Xavier, pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe e cabeça na capitania de Minas Gerais…”. Às onze da manhã, sob um sol abrasador, o séquito chegou ao campo de São Domingos, centro do Rio de Janeiro. Ali se erguia o patíbulo.

Três horas antes, o grupo partira do presídio. Lá, quando o carrasco, o negro Capitania, se aproximara, com o baraço e a alva, o condenado adiantou-se e beijou-lhe as mãos e os pés. A seguir, quando lhe ordenaram que se despisse para vestir a alva, ele tirou a camisa e disse: “Meu salvador morreu também assim, nu, por meus pecados.” Agora a vítima subia os degraus do patíbulo. 

Era sábado, 21 de abril de 1792.


O édito da rainha conclamara o povo do Rio a assistir à execução, e a praça estava repleta. À sombra da forca, o prisioneiro pediu ao carrasco para que “acabasse logo com aquilo”. Mas faltavam os sermões. O frade Raimundo de Penaforte citou o Eclesiastes: “Nem por pensamento detraias do teu rei, porque as mesmas aves levarão a tua voz e manifestarão teus juízos.” Em seguida, quando o povo e o padecente rezavam o credo, de súbito, em meio a uma frase, houve um baque surdo, e o corpo da vítima balançava no ar. Para apressa morte, o carrasco pulou sobre os ombros do enforcado. Ambos dançaram um bailado tétrico. 

Morria o Tiradentes. 

Mas a condenação ainda não estava completa: a sentença determinava que o corpo fosse “espostejado”, e o esquartejamento começou em seguida. Dividido em quatro pedaços, bem salgados e postos dentro de grandes sacos de couro, o corpo de Tiradentes partiu para sua última viagem. O quarto superior esquerdo foi pendurado num poste em Paraíba do Sul – RJ. O quarto superior direito foi amarrado numa encruzilhada na saída de Barbacena, em Minas Gerais. O quarto inferior direito ficou na frente da estalagem de Varginha – MG; o último foi

Espetado perto de Vila Rica, cidade à qual a cabeça de Tiradentes chegou em 20 de maio de 1792. Ficou enfiada num poste, defronte da sede do governo.


Tiradentes saía da vida para entrar na história.


A VILA RICA DOS POETAS


Em 1780, um século após a descoberta das minas, Vila Rica já havia muito deixara de ser um acampamento mineiro embarrado e sem atrativos. Situada no sopé do grandioso penedo do Itacolomi, no sul de Minas, a cidade se constituía de uma teia de ruas pavimentadas percorrendo ladeiras íngremes, ladeadas por graciosas construções de dois pisos, muitas das quais possuíam terraços ajardinados. No topo das colinas, ou em frente a praças amplas, havia inúmeras igrejas barrocas, com altares reluzindo em ouro e paredes repletas de ornamentações suntuosas. Não era uma cidade: era uma obra de arte urbana. Vila Rica, disse um poeta, era “a pérola preciosa do Brasil”. Mas a riqueza da cidade – seu ouro preto, seus diamantes reluzentes, suas minas opulentas – era também a fonte de suas desgraças. Submetida a uma sangria feroz, que se manifestava na forma de impostos de entrada e impostos de saída (qualquer produto levado às minas era duramente taxado; cada grama de ouro que saía pagava um tributo oneroso), Vila Rica via sua fortuna se esvair.


Levado para além-mar, o ouro de Minas permitia a D. João V reinar numa luxuosa ostentação a ponto de se tornar conhecido como o Roi-Soleil português.


O mais perturbador é que o “fulvo metal” nem sequer servia para enriquecer a metrópole: era apenas o ouro “que Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa”, como observou o viajante inglês Henry Fielding. Nada mais natural, portanto, que a jovem sociedade mineira alimentasse um profundo estado de indignação e revolta. E essa revolta não demoraria muito para eclodir.


Pelo menos algumas vantagens Vila Rica conseguia auferir de sua opulência. Além de constituir uma sociedade urbana, possuía uma estrutura bem mais complexa do que aquela que se reduzia a senhores e escravos. Havia uma “classe média”: comerciantes, mercadores, ourives, artistas e, é claro, poetas.


Outra possibilidade aberta pelo ouro foi a chance concedida a alguns filhos da elite local de realizar seus estudos na Europa. Muitos herdeiros de mineradores bem-sucedidos foram enviados para a Universidade de Coimbra, em Portugal.

Lá, vários deles tomaram contato com ideias liberais e republicanas, acompanhando o furor provocado pela revolução francesa e pela independência dos EUA. Um deles, José da Maia e Barbalho, entrou em contato com Thomas Jefferson, então embaixador dos EUA na França, sondando-o sobre um possível apoio à independência do Brasil.


Enquanto isso, em Vila Rica, mudanças políticas tornaram insustentável o que já era ruim. Em outubro de 1783, o governador Rodrigo José de Meneses, homem de grande cultura, amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa e liberal com os contrabandistas, foi substituído por Luiz da Cunha Meneses, um sujeito em tudo diferente dele. Para atacar a elite descontente, Cunha fez uma aliança populista com as classes menos favorecidas de Vila Rica. Mas era um corrupto que saqueava os cofres públicos e desfilava ostensivamente pelas ruas de Vila Rica com suas muitas concubinas. Foi satirizado pelas Cartas chilenas, livro provavelmente escrito por Tomás Antônio Gonzaga, no qual era chamado de “Fanfarrão Minésio”.


O ROMANCE DA CONJURAÇÃO


Publicadas entre julho de 1788 e fevereiro de 1789, as Cartas Chilenas marcaram o início da luta dos poetas de Vila Rica contra os desmandos da metrópole. Agrupados pela crítica literária sob a denominação geral de Escola Mineira, os principais poetas conjurados eram três – todos membros da elite local e homens que tinham lucrado muito com o ouro e a ordem estabelecida, a qual só passaram a contestar a partir do instante em que deixaram de ser favorecidos por ela. Além dos três poetas que mais tarde seriam presos, também faziam parte da Escola Mineira Silva Alvarenga (autor de Glaura, de 1799), Basílio da Gama (autor do poema épico O Uraguai, de 1769) e Santa Rita Durão (autor de Caramuru, de 1781).


MARÍLIA DE DIRCEU


Escrito por Tomás Antônio Gonzaga durante sua prisão no Rio, em 1789, “Marília de Dirceu” é um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa. Foi dedicado à jovem Maria Doroteia de Seixas Brandão, de 16 anos, por quem o poeta, de 43 anos, apaixonou-se e com quem iria casar se não tivesse sido preso. Enviado para dez anos de degredo na África, em 1792, Tomás Antônio Gonzaga nunca mais veria sua amada. Mas parece não ter sofrido muito com a ausência dela: casou-se com Juliana de Souza Mascarenhas, mulher “de muitas posses e poucas letras”, da família mais opulenta de Moçambique, enriquecida pelo tráfico de escravos, ao qual o poeta passou a se dedicar, integrando-se à “melhor sociedade” local. Rico e ocioso, Tomás Antônio Gonzaga ficou em Moçambique até morrer, em 1810. “Marília de Dirceu” foi publicado em Lisboa, com grande sucesso, em 1799.


Entre os poetas conjurados propriamente ditos, o menos fulgurante foi o Coronel José de Alvarenga Peixoto. Nascido no Rio, em 1744, Alvarenga Peixoto era um advogado que virou minerador. Foi autor de apenas trinta poemas e não deixou livro publicado. Partiu dele a sugestão de incluir na bandeira da Conjuração um trecho de uma écloga de Virgílio: Libertas quae sera tamen (“Liberdade ainda que tardia”). 


Os dois outros poetas inconfidentes eram homens de gênio, autores de obras profícuas e densas, cujo legado persiste.

Silva Alvarenga, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga faziam uma poesia influenciada pelo bucolismo: uma exaltação da vida campesina simples, com sua paisagem, seus pastores e seus rebanhos, de acordo com as normas ditadas pelos modelos greco-romanos. Nos melhores momentos de suas obras – e eles são muitos –, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, mesmo sem ousar romper com os modelos neoclássicos, revelaram um estilo luminoso e o domínio pleno do soneto camoniano. Ambos podem ter sido revolucionários fracassados, mas com certeza foram poetas maiores.


Cláudio Manuel da Costa nasceu em Mariana, em 1729. Estudou no colégio dos jesuítas, no Rio, e se formou em Direito, em Coimbra. Advogado, minerador e fazendeiro de gado bovino e suíno, senhor de muitos escravos, logo se tornou um dos homens mais ricos de Minas. Membro da Ordem de Cristo, seu prestígio era tal que foi secretário do governo entre 1762 e 1765, sendo depois reeleito para o período de 1769 a 1773. Rico, influente, solteiro, dono de uma bela mansão, era figura respeitada e popular, que costumava reunir amigos e intelectuais em movimentados saraus.


Tomás Antônio Gonzaga, ou “Dirceu”, nasceu no Porto, em 1744, mas veio com os pais para o Brasil aos oito anos de idade. Estudou no colégio dos Jesuítas, na Bahia. Aos 16 anos voltou para Portugal, onde, em 1768, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Ao retornar para o Brasil, foi nomeado Ouvidor de Vila Rica – e, como Cláudio Manuel da Costa, lucrou bastante graças à política de vistas grossas do governador Rodrigo José de Meneses com o contrabando de ouro e diamantes.

Tomás Antônio Gonzaga era discípulo de Cláudio Manuel da Costa e ambos


Constituíam o centro de um grupo que reunia também o intendente de Vila Rica, Francisco Pires Bandeira, o contratante João Rodrigues de Macedo, o ex-ouvidor de São João del Rei, Alvarenga Peixoto, o comandante militar da capitania,


Francisco Freire de Andrade, o cônego Luiz Vieira da Silva, dono de uma das mais notáveis bibliotecas da colônia (repleta de livros considerados “subversivos”) e os clérigos radicais Carlos Correia de Toledo, José da Silva e Oliveira Rolim.


Foram esses advogados, juízes, magistrados, comerciantes, fazendeiros, emprestadores de dinheiro, padres, cônegos e membros de sociedades secretas e irmandades leigas que temerariamente decidiram desafiar o poder colonial.


O FIM DA CONJURAÇÃO


Em 1788, sempre zelosa de sua mais opulenta capitania, a Coroa substituiu o corrupto governador Luiz da Cunha Meneses por Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena e sobrinho do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa. O visconde chegou a Vila Rica com ordens expressas para aplicar o alvará de dezembro de 1750, de acordo com o qual Minas precisava pagar 100 arrobas (ou 1.500 quilogramas) de ouro por ano para a Coroa. Caso a arrecadação não atingisse essa cota, seria, então, cobrada a derrama – o imposto extra tirado de toda a população até completar as cem arrobas. A derrama seria cobrada em fevereiro de 1789.


No dia 26 de dezembro de 1788, na casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, chefe do Regimento dos Dragões, alguns dos personagens mais importantes de Minas se encontraram para uma reunião conspiratória. Três tipos de homem estavam na reunião: intelectuais, como o filho do capitão-mor de Vila Rica, José Álvares Maciel; entusiastas, como o Alferes Joaquim José da Silva Xavier (que fora atraído pelas ideias de Maciel).


Em maior número e muito mais voz de comando, mineradores endividados, como Alvarenga Peixoto e o padre Oliveira Rolim, notório traficante de diamantes e de escravos. Mais tarde, na segunda reunião, no mesmo local, se juntaria ao grupo o negociante Joaquim Silvério dos Reis, talvez o homem mais endividado da capitania, com um passivo oito vezes superior aos ativos. Todos

Decidiram se rebelar contra a Coroa.

Ficou decidido que, no dia em que fosse decretada a derrama, uma revolução eclodiria. 

Os planos para o golpe eram tão vagos quanto os projetos do futuro governo. Em tese, a revolta levaria à fundação, em Minas, de uma república independente, cuja capital seria São João del Rei. O distrito diamantino seria liberado, assim como a exploração do ferro e a industrialização. Seriam construídos hospitais, criada uma universidade e abolida a escravidão. O governo seria entregue a Tomás Antônio Gonzaga, por três anos – a seguir, seriam convocadas eleições livres. Minas estava destinada a ser, portanto, uma espécie de paraíso na Terra.


Embora a historiografia oficial considere a Conjuração uma luta pela

Liberdade no Brasil, para o historiador norte-americano Kenneth Maxwell, autor de “A devassa da devassa”, o melhor livro sobre o tema, “a Conspiração dos Mineiros” era, basicamente, um movimento de oligarcas, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa. (…) A “derrama” proporcionava aos magnatas locais um subterfúgio pré-fabricado para alcançarem seus objetivos egoístas sob o disfarce de um levante popular”. 

Mas o plano gorou: em fevereiro de 1789, Barbacena suspendeu a derrama. Os Inconfidentes se desarticularam. Conforme Maxwell, só depois da suspensão da Derrama foi que Joaquim Silvério dos Reis denunciou a trama – para obter o perdão de suas dívidas. 

Em maio, os acusados, um a um, começaram a ser presos

E enviados para o Rio.


O DESTINO DOS CONSPIRADORES


A cena foi meticulosamente preparada, de modo a ter o mais teatral dos efeitos. A leitura da sentença, iniciada no dia 18 de abril de 1792, na sala do Tribunal do Rio, teve a espantosa duração de 18 horas, prolongando-se das 8 da manhã às 2 da madrugada seguinte. E ocorreu em meio a grande confusão, na presença dos dezoito acusados – deitados em estrados de madeira, já que o peso

De seus colares de ferro não permitia que permanecessem de pé –, todos acompanhados pelos dezoito padres que os assistiam, além de nove juízes, dezenas de guardas com suas armas carregadas e o próprio vice-rei. Pela cidade, todos os prédios públicos estavam guarnecidos. Depois de muita tensão, com os réus tresnoitados, em ferros e ansiosos, o escrivão passou a ler as sentenças: sete

Inconfidentes foram condenados ao degredo e onze condenados à morte.

Vestidos em panos de algodão ordinários, barbudos, grisalhos, esmaecidos, com os olhos sensíveis à luz após 36 meses no cárcere, os condenados passaram a blasfemar uns contra os outros (Depois de três anos incomunicáveis, era neles mais violento o desejo de falar... e eles acusavam-se mutuamente”, anotou Frei Raimundo de Penaforte, presente ao julgamento).

Apenas Tiradentes mantinha-se sereno e silente.

Então, dramaticamente como planejado, iniciou-se a leitura da carta de clemência enviada, vários dias antes, pela rainha D. Maria I.

A partir daquele instante, “houve um alvoroço indizível, com os presos levantando-se, erguendo os braços, desafogando seus corações, gritando, entoando terços, cânticos de louvor” e urras à rainha, que daquele dia em diante passou a ser chamada de “clementíssima”.


Alvarenga Peixoto, José Álvares Maciel, Luís Vaz de Toledo Pisa, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Francisco de Paula Freire de Andrade e Domingos De Abreu Vieira partiram para o exílio em Angola, no dia 5 de maio de 1792. No dia 23, zarpou o navio que levou para Moçambique os conjurados Tomás Antônio Gonzaga, Vicente Vieira da Mota, José Aires Gomes, João da Costa Rodrigues, Vitoriano Gonçalves e Salvador de Amaral Gurgel. Os padres implicados foram julgados secretamente em Lisboa. Cláudio Manuel da Costa fora encontrado morto na Casa de Contos, em Vila Rica, no dia 4 de julho de 1789. A informação oficial foi de que ele se suicidara, mas muitos historiadores acham que, na verdade, o poeta foi morto – numa sessão de tortura ou, então, pelos próprios inconfidentes.


De todas as sentenças originais, apenas uma foi mantida: aquela que

condenava à morte e à infâmia o alferes Joaquim José da Silva Xavier. Órfão de pai e mãe desde os dez anos, Tiradentes fracassara em tudo na vida: fora, sem sucesso, tropeiro, minerador e dentista, até que, em dezembro de 1755, alistou-se na Companhia dos Dragões.

Em 14 anos de carreira, porém, recebeu apenas uma promoção, tendo estacionado no posto de alferes (equivalente, hoje, ao de tenente).

Em 1787, desgostoso com sua situação, pediu licença da tropa e mudou-se para o Rio, onde, sem outra alternativa, voltou a trabalhar como dentista. Foi então que conheceu José Álvares Maciel, cujas ideias republicanas e separatistas muito o influenciariam.


De volta a Minas, Tiradentes tornou-se o mais entusiástico e temerário propagandista do golpe. Mas não há dúvida de que seu papel na trama foi, e sempre seria, menor. Ainda assim, e por isso mesmo, era o bode expiatório ideal – e a Coroa o escolheu para servir de exemplo. 

Tiradentes cumpriu o papel com altivez espantosa. Desde sua prisão no Rio de Janeiro, em maio de 1789, até o momento em que ouviu a leitura da sentença, Tiradentes em nenhum momento vacilou, blasfemou ou traiu. E era uma sentença terrível:

“Pelo abominável intento de conduzir os povos da capitânia de Minas a uma rebelião, os juízes deste tribunal condenam ao citado réu a que, com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra a morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em o lugar mais público dela será pregada, em poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes, pelo caminho de Minas, onde o réu teve suas infames práticas, até que o tempo também os consuma; e declaram o réu infame, e seus filhos e netos, e os seus bens aplicam para o Fisco, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e no mesmo chão se erguerá um padrão, pelo qual se conserve a memória desse abominável réu.”

E assim se fez.

O Brasil ganhou seu Cristo cívico. 

E um Judas: o traidor Silvério dos Reis, desprezado e escorraçado pelo resto de sua vida.


O MITO DO TIRADENTES


Tiradentes pode ter sido mero bode expiatório no trágico desfecho da Conjuração Mineira. Mas a decência com a qual se comportou ao longo do lento e tortuoso processo judicial e, acima de tudo, a altivez com que enfrentou a morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas também um dos grandes heróis da história do Brasil. Enquanto a maioria dos Conjurados chorava, balbuciava e se maldizia – trocando acusações e blasfêmias diante dos jurados –, Tiradentes manteve a dignidade, o senso de camaradagem e uma tranquilidade despojada que, da mera leitura dos atos, sua presença refulge imponente e quase majestosa. Embora, de início, tenha tentado negar a existência da conspiração, tão logo as acusações se tornaram evidentes, Tiradentes tratou de atrair toda a culpa sobre si, praticamente se apresentando para o martírio ao proclamar responsabilidade exclusiva pelo movimento. Ao saber que, além dele, outros conjurados tinham sido condenados à morte, Tiradentes declarou: “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas daria para salvá-los.”

Não houve, por parte dos acusados, qualquer espécie de retribuição. Com toda a confusão de seus depoimentos, nenhum negara a participação de Tiradentes nem seu entusiasmo fanático e às vezes imprudente pela revolução.


Para a Coroa, o alferes também despontava como a vítima ideal: primeiro, era alguém com todos os ressentimentos de um típico “revolucionário francês”. Depois, não era ninguém: “Quem é ele?”, perguntara uma carta régia enviada de Lisboa ao desembargador Torres, juiz do processo. “Não é pessoa que tenha figura, nem valimento, nem riqueza”, foi a resposta. Além do mais, quem levaria a sério um movimento chefiado por um simples Tiradentes? Enforcá-lo e esquartejá-lo, portanto, teria o efeito máximo como advertência e o mínimo como repercussão.


UM SÍMBOLO BRASILEIRO


Não se sabe como eram as verdadeiras feições de Joaquim José da Silva Xavier. Todos os retratos são fictícios – embora nenhum tenha seguido informações vindas de fonte segura. O depoimento de frei Penaforte assegurava que, ao ser conduzido ao patíbulo, o réu estava “com a barba e a cabeça raspadas”. Mas tais fatos eram adversos ao processo de mitificação do Tiradentes – e foram ignorados. Na mais brilhante análise da fabricação do mito de Tiradentes, feita por José Murilo de Carvalho no livro A formação das almas – O imaginário da República no Brasil (no qual se baseiam as ideias desta página), são analisadas todas as imagens de Tiradentes e de seu martírio. Nelas, Tiradentes surge como o “mártir ideal e imaculado na brancura de sua túnica de condenado”. Foi assim que ele virou símbolo nacional aceito tanto por monarquistas e abolicionistas como pelos republicanos. 

O fenômeno se repetiria nos anos 60 do século XX, quando tanto os militares como grupos revolucionários da esquerda usaram-no como símbolo de liberdade. Após dois séculos, Tiradentes vive.


Mas os caminhos da história escolheram outras vias e, um século depois, Tiradentes seria transformado no grande símbolo da República – independentemente do papel que tivesse desempenhado na Conjuração. Por anos a fio, a história da revolta subsistira apenas na memória popular. A partir de 1873, e até 1893, a literatura e a historiografia começaram a transformar Tiradentes numa espécie de Cristo cívico. Ele renascera um pouco antes – no Livro Brasil Pitoresco, escrito em 1859 pelo francês Charles Ribeyrolles, na figura de um herói republicano “que se sacrificara por uma ideia”.


Em 1873, porém, o historiador Joaquim Norberto de Souza lançou sua História da Conjuração Mineira. Descobridor dos Autos da Devassa, ele foi o primeiro a consultá-los. Após treze anos de pesquisa, concluiu que o papel do Tiradentes fora secundário e que, por causa da “lavagem cerebral” a que o teriam submetido na prisão os frades franciscanos, substituíra o ardor patriótico pelo fervor religioso. “Prenderam um patriota, executaram um frade.” Os republicanos, já tentando alçar Tiradentes ao papel de símbolo do regime que estava para nascer, protestaram. Negavam ter Tiradentes beijado as mãos e os pés do carrasco; não aceitavam a versão de que ele se dirigira à forca com um crucifixo; não acreditavam que tivesse dito que, como Cristo, também morreria nu. Mas o fato é que as semelhanças entre a paixão de Cristo e o martírio de Tiradentes eram tão evidentes (não faltavam nem Judas nem Pedros – e, agora, nem a ressurreição) que, depois de estabelecida a República, até mesmo os pintores ligados ou contratados por ela passaram a representar Tiradentes como se fosse Jesus no patíbulo.


Com a passagem dos anos, a memória e as imagens de Tiradentes continuariam sendo esquartejadas."


(texto extraído do livro ”BRASIL - UMA HISTÓRIA", de Eduardo Bueno)